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01/03/2005 Versão para impressãoEnviar por email

Stedile na EPSJV: terra, educação e saúde

Trabalho, Saúde e Questão Agrária no Brasil’ foi o tema da primeira aula da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio em 2005, apresentada por João Pedro Stedile, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 15 de fevereiro. O evento teve início com a fala do diretor da Escola, André Malhão, convidando os alunos, professores e funcionários que lotavam o auditório a fazerem um minuto de silêncio em memória da missionária americana Dorothy Stang, assassinada no Pará três dias antes. Também compuseram a mesa de abertura a vice-diretora de ensino da EPSJV, Isabel Brasil, a vice-presidente de Ensino e Recursos Humanos da Fiocruz, Tânia Celeste, e  o vice-presidente de Desenvolvimento Institucional, Paulo Gadelha.

Stedile deu uma verdadeira aula de história, relembrou momentos decisivos da trajetória brasileira e falou sobre as heranças que explicariam a desigualdade social, a violência e todo o processo que dificulta a reversão desses problemas. Segundo ele,a sociedade está doente, com crises nas áreas econômica, social e ideológica.

Educação, Saúde e Trabalho

Stedile contou que o MST vem investindo em escolas que ofereçam às crianças e adultos dos assentamentos uma educação mais próxima de sua realidade, por meio do que eles chamam de ‘Pedagogia da Terra’.“O aluno aprende a contar com sacos de milhos, ovos e não precisa sair da zona rural para estudar. Além disso,os próprios estudantes são responsáveis pelo preparo dos alimentos e pela limpeza da escola”, explicou.

O coordenador do MST também esclareceu que a estrada para chegar a esse patamar foi longa. No início, o movimento se preocupava apenas em acabar com os latifúndios,mas, com o tempo, percebeu que era preciso lutar também por outras coisas, como a democratização do capital social, o próprio ensino e o domínio de novas técnicas que respeitassem o meio ambiente. “Vimos que só a terra não resolve o problema da desigualdade. Hoje sabemos que o conhecimento é tão importante quanto a terra e dedicamos metade de nossos recursos à educação”, disse. O resultado é que o número de escolas do MST só vem crescendo — um exemplo é a escola técnica de Veranópolis,no Rio Grande do Sul, que tem cerca de 700 alunos.

Segundo Stedile, a promoção da saúde também ocupa lugar de destaque nas preocupações dos sem-ter-ra. Para evitar que as pessoas fiquem doentes, o movimento tem estabelecido parcerias para implantar hortas medicinais nos assentamentos.

História do Brasil contada pelo MST

A história de um país que mudou de governos, trocou de modelos econômicos, mas nunca tirou as elites do poder. Esse foi o tom da linha do tempo que João Pedro Stedile traçou na aula inaugural da EPSJV. Tudo começou, segundo ele,quando o Brasil ainda era colônia de Portugal: foram 400 anos de um modelo agro-exportador, baseado no trabalho escravo, criado para atender às necessidades da metrópole. Quando a república substituiu a monarquia, saiu D. Pedro II, entrou Deodoro da Fonseca, mas nada mudou.

Com a revolução de 1930 — um golpe da burguesia industrial brasileira, segundo ele —, veio um novo modelo: a industrialização dependente do capital estrangeiro e de um mercado interno restrito. Com ele, houve um incremento do ensino, com objetivo de aumentar a mão-de-obra, a produtividade e o lucro.Na contramão, economistas como Celso Furtado defendiam a construção de uma indústria nacional, que também dependeria de um mercado consumidor que, por sua vez, só seria possível com a distribuição de renda. Para isso, eram necessárias,as chamadas reformas de base. O presidente João Goulart foi se apropriando dessas idéias e, em março de 1964, anunciou que desapropriaria fazendas com mais de mil hectares para dar início a uma reforma agrária. O resultado, todo mundo lembra: menos de um mês depois,veio o golpe militar.

Com dinheiro estrangeiro, a economia tornou a crescer, mas os problemas sociais também aumentaram. Na década de 80, o modelo voltou a entrar em crise, se arrastou até 1989 e levou ao fim da ditadura.Depois veio Fernando Collor, defendendo, segundo ele, a burguesia rearticulada em torno do capital internacional. Com Fernando Henrique Cardoso, foram oito anos de continuidade.

Chegou-se a 2002 quando,segundo o coordenador do MST, o povo decidiu votar contra  o neoliberalismo e a esquerda finalmente chegou ao poder. Mas com fortes alianças com a burguesia e num contexto histórico adverso, de enfraquecimento dos movimentos sociais. A eleição não foi suficiente.O que fazer? Para ele, a única saída é  reacender a organização popular.

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