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O protagonismo do técnico em citopatologia no controle do câncer

A Citopatologia encontra nas ETSUS o impulso para formar trabalhadores que não têm a profissão regulamentada, mas que são essenciais na redução das taxas de câncer de colo de útero.

Jéssica Santos e Flavia Lima

 

Área de atuação da Patologia que estuda as doenças a partir da observação ao microscópio de células, a Citopatologia é usada na investigação de tumores e outras lesões e considerada uma das mais confiáveis formas de prevenção dos cânceres. Não à toa que a Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS) a tomou como prioritária, passando a formar novos técnicos em citopatologia para o sistema público de saúde, com apoio da Coordenação Geral de Ações Técnicas em Educação na Saúde do Departamento de Gestão da Educação na Saúde (Deges) da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (Sgtes/MS).

O curso técnico tem a missão de formar profissionais de nível médio para atuarem em laboratórios de citopatologia, segundo as especificidades da citologia e da histologia, na perspectiva da promoção da saúde, da prevenção de agravos e do tratamento de doenças. Além do apoio à formação, a Coordenação Geral de Ações Técnicas em Educação na Saúde lançou, em dezembro de 2012, no contexto do Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio para a Saúde (Profaps), uma coletânea de materiais didáticos que buscam promover e aprimorar a qualificação e orientam as escolas quanto à organização e ao planejamento de seus processos formativos.

Fazem parte da coletânea o Atlas de Citopatologia Ginecológica (versão impressa e digital), o Caderno de Referência 1: Citopatologia Ginecológica, o Caderno de Referência 2: Citopatologia não Ginecológica e o Caderno de Referência 3: Técnicas de Histopatologia. Segundo a médica citopatologista e supervisora do Laboratório da Mulher do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen-PE) da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, Fátima Regina Gomes Pinto, o processo de elaboração dessas publicações foi inédito. “Há poucos textos brasileiros voltados à prática do técnico em citopatologia. Além de facilitar o aprendizado, as publicações buscam auxiliar o desempenho profissional”, resume a colaboradora do segundo caderno de referência.

Da coleta ao diagnóstico

Fátima conta que essa publicação traz as técnicas de coleta, de processamento dos espécimes e os padrões citopatológicos gerais em condições benignas e malignas em órgãos específicos. O livro, revela, encontrou justificativa na necessidade de capacitar o técnico em citopatologia para reconhecer se o material é ou não adequado para o exame citopatológico e fazer a diferenciação entre o que é e o que não é benigno. “O objetivo foi oferecer um material de fácil acesso ao aluno, com uma linguagem clara e objetiva para auxiliar na sua formação”, explica.

Mestre em Anatomia Patológica e médica citopatologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a professora Daisy Nunes de Oliveira Lima participou da elaboração do Atlas de Citopatologia Ginecológica (versão impressa e digital) e dos cadernos de referência 1 e 2. Segundo ela, as publicações oferecem uma visão geral e detalhada de todas as doenças que podem afetar o aparelho genital feminino do ponto de vista da Citopatologia. “Os alunos costumam ter muita dificuldade em relação ao material didático disponível, em sua maioria importada”, observa.

Daisy acredita que a coletânea, face à diversidade de conteúdos, serve tanto aos técnicos quanto aos citopatologistas. As publicações que organizou resultaram da coleta de material que fez durante seus 20 anos de atuação profissional. “Primeiro pensei em revelar o conteúdo básico, que são as células. Depois, as alterações dessas células, começando pelos processos benignos, passando pelas lesões inflamatórias até chegar às células cancerígenas, tanto as mais comuns quanto as mais raras. Mas o ponto-chave do tema de que trata os cadernos de referência é o colo do útero”, destaca.

Ela conta que o Atlas traz três mil imagens, cada uma com um texto explicativo. “Foi uma oportunidade única, pois tive a chance de trazer informações que coletei durante a vida inteira”, diz. Daisy ressalta, entretanto, que para se aperfeiçoar na área é preciso que o aluno aprenda com a prática, e não somente com os livros. “O profissional precisa, ao mesmo tempo, experimentar a prática no microscópio e ter uma fonte de material para estudar em casa, para que possa conhecer com profundidade as características da célula e encaminhar o material ao médico”, observa.

O diretor técnico de serviço de saúde do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP) e um dos autores do terceiro caderno de referência, professor Abel Dorigan Neto, afirma que a bibliografia sobre a área disponível está bastante desatualizada, o que o motivou a participar dessa tarefa, a convite do Ministério da Saúde. “A Histologia sofreu avanços. Por isso, procurei utilizar uma linguagem técnica, orientando o aluno desde a coleta até a entrega do material ao médico patologista para o diagnóstico”, explica.

De acordo com Dorigan Neto, o livro baseou-se em informações coletadas em oficinas realizadas por ele e sua equipe do Hospital das Clínicas. “Avaliamos o que havia no mercado e o que seria necessário produzir”, revela. Segundo o atual coordenador do Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, todos os passos do processamento histológico são discutidos com detalhes e acompanhados por ilustrações e fotos na publicação. “Espero que os alunos aproveitem ao máximo os conhecimentos disponibilizados no livro”, orienta, lembrando que o trabalho do técnico em citopatologia implica grande atenção e cuidado.

Presidente da Sociedade Brasileira de Citopatologia e uma das autoras do material didático, Letícia Maria Correia Katz lembra que a elaboração dos conteúdos e a definição das variadas formas de apresentação foram possíveis com a formação de grupos de trabalho. “A definição dos títulos e os formatos (impresso e digital) buscaram facilitar o acesso ao aprendizado e a consulta diária, tanto no computador quanto na bancada do trabalho”, explica, acrescentando que a dificuldade em obter material didático com linguagem clara, acessível e, especialmente, na língua portuguesa foram os grandes motivadores desse projeto.

Papel fundamental

Mas o que faz o técnico em citopatologia? Ele planeja e organiza o processo de trabalho na área, que inclui os campos da citologia (células) e da histologia (tecidos orgânicos) e envolve o estudo das patologias celulares, mantém os padrões de qualidade e biossegurança e realiza procedimentos pertinentes aos exames citopatológicos e operações fundamentais das técnicas histopatológicas. “Ele compara a imagem ao microscópio com a imagem normal, gravada na memória do observador; constata semelhança das imagens ou discordância que deve ser analisada minuciosamente; destaca a importância do conhecimento da Citopatologia e da Histologia”, escrevem Leopold Koss e Claude Gompel no livro Introdução à citologia ginecológica e suas bases anatomoclínicas (1997).

Leandro Medrado, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e coordenador do curso Técnico em Citopatologia da escola, para facilitar a compreensão, compara este profissional a outros da área de atuação da Patologia, que usam como mecanismos de diagnóstico as análises clínicas, a histologia e a citologia. “O técnico em análises clínicas, por exemplo, trabalha com amostras de sangue ou secreção, buscando identificar padrões específicos. O técnico em histologia atua em relação à morfologia dos tecidos. Já o técnico em citopatologia é responsável pela observação dos componentes celulares para a identificação de doenças, principalmente do câncer”, explica.

Esse profissional surge para atuar, especificamente, em um tipo de câncer, o de colo de útero. “Foi o médico Papanicolaou quem descobriu que era possível diagnosticar algumas lesões observando células soltas — e não os tecidos, como se fazia até então. Essa se tornou, a partir daí, a especialidade do médico citopatologista e do citotécnico”, conta Simone Evaristo, trabalhadora do Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca) ao site da EPSJV, citando ainda a nomenclatura usada para referir-se ao técnico em citopatologia — assim chamado em consonância com o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, do Ministério da Educação (2010).

No artigo A expansão do rastreio do câncer do colo do útero e a formação de citotécnicos no Brasil, Luiz Antonio Teixeira, Marco Antonio Porto e Leticia de Souza explicam que, no âmbito do teste de Papanicolaou, o técnico tem como principal função examinar as lâminas elaboradas a partir do material colhido e encaminhar os casos considerados atípicos para avaliação do médico citopatologista. “Dessa forma, é o responsável pela triagem do material citopatológico, permitindo que o médico examine somente os casos suspeitos, em geral, de 10 a 30% do total”, escrevem.

Segundo a publicação do Ministério da Saúde que traz as diretrizes e orientações para a formação técnica na área (2011), este profissional ganhou maior vulto nos serviços de saúde na década de 1950, por conta das ações preventivas contra o câncer, especificamente contra o câncer de colo uterino e de mama. Apesar de sua relevância para o controle desse tipo de doença no país, a profissão não foi ainda regulamentada, apenas reconhecida pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego. “Os desafios impostos são a formação com qualidade desses profissionais e a luta pela regulamentação”, resume Letícia Katz, lembrando que a inclusão da profissão na CBO contou com o apoio da Sociedade Brasileira de Citopatologia.

O Curso Técnico em Citopatologia, portanto, traz à tona o debate da regulamentação ao evidenciar a importância desse profissional, tendo a missão de formar técnicos de nível médio para atuar nos laboratórios de citopatologia.

Foco na formação

O primeiro curso de formação de técnicos em citopatologia no Brasil data o ano de 1968, promovido pela Fundação das Pioneiras Sociais. De lá para cá, surgiram e desapareceram vários outros. A área é, hoje, foco de atuação das escolas da RET-SUS, observando que o desenvolvimento e a diversificação dos conhecimentos e tecnologias na área, além de não mais permitirem a inserção de trabalhadores não qualificados, impõem que a formação técnica contemple competências capazes de responder às demandas e necessidades da população. A execução do curso técnico se dá por meio do Profaps, que tem a Citopatologia, a Vigilância em Saúde, a Radiologia e a Hemoterapia áreas estratégicas para o SUS.

Segundo o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos do MEC, a carga horária mínima para tal fim é de 1.200 horas, além das horas destinadas ao estágio curricular supervisionado. O curso, agrupado no eixo tecnológico Ambiente, Saúde e Segurança, compreende tecnologias associadas à melhoria da qualidade de vida, à preservação e à utilização da natureza, ao desenvolvimento e à inovação do aparato tecnológico de suporte e à atenção à saúde, além de abranger ações de proteção e preservação dos seres vivos e dos recursos ambientais, da segurança de pessoas e comunidades, do controle e avaliação de risco e os programas de educação ambiental.

Em geral, a formação está estruturada em quatro eixos: Processo de trabalho em serviços de laboratórios de citopatologia das redes de Atenção à Saúde do SUS; Bases científicas e tecnológicas da citopatologia, que inclui os campos da citologia e da histologia; Ações e procedimentos intrínsecos aos exames no campo da citopatologia; e Ações e procedimentos intrínsecos às técnicas histológicas. 

Na Escola de Saúde Pública de Pernambuco (ESP-PE), o curso conta com as 1.200 horas de aulas teóricas e práticas preconizadas pelo MEC, além das 540 horas para atividades de estágio supervisionado, em articulação com o serviço, totalizando uma carga horária de 1.740 horas. A escola pretende formar, em dezembro deste ano, 15 novos técnicos para o SUS.

Segundo o coordenador do curso, Mário Correia, o estado está passando por um processo de descentralização e reorganização dos serviços na área da Citopatologia. “Unidades de saúde que antes tinham uma demanda menor de exames passaram a receber maior quantidade de material, principalmente com a implantação de campanhas de prevenção do câncer de útero e o fortalecimento das políticas públicas de saúde no âmbito do Estado”, revela. O contexto justificou a oferta do curso no estado, que carecia de profissionais técnicos qualificados na área, bem como alinhar a formação com a política estadual de prevenção do câncer cérvico-uterino e as demais políticas de saúde pública, tais como Saúde da Mulher, Saúde do Homem e Saúde da Criança e do Idoso.

Cinco módulos compreendem o curso da escola: Bases tecnocientíficas e instrumentais para o diagnóstico; Educação para a saúde: compreensão do processo educativo em saúde; Gestão do trabalho em saúde no SUS e gestão do laboratório de citopatologia; Proteção, prevenção e recuperação: promoção da saúde e segurança do trabalho; e Processos técnicos em laboratório de citopatologia. Já a matriz curricular é composta por 24 disciplinas, com carga horária e conteúdos programáticos distintos, distribuídas nos módulos. “Os principais conteúdos trabalhados são aqueles voltados para os procedimentos práticos do técnico em citopatologia, como a recepção do material para realização de exames citopatológicos, a coloração Papanicolaou e as colorações especiais, a citologia normal e inflamatória e as alterações citológicas, tanto as neoplásicas e quanto as pré-neoplásicas”, cita Correia, lembrando que o curso aborda, também, os temas Biossegurança e ergonomia, Primeiros socorros, Anatomia, Políticas públicas em saúde, Preparação de reagentes para a Citopatologia, Matemática aplica e Informática básica.

Entre os desafios apontados por Correia quanto à oferta do curso destaca-se o trabalho de articulação entre ensino e serviço, uma vez que se faz necessário compatibilizar as agendas da formação com a dos espaços disponíveis no serviço para a promoção das aulas práticas e do estágio supervisionado. “Apesar das dificuldades, os momentos de aprendizagem são positivos e significantes tanto para os alunos quanto para os profissionais de saúde que participam desse processo de formação”, avalia.

Em evento realizado no mês de junho, a Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE) comemorou a formatura das primeiras turmas dos cursos técnicos em Análises Clínicas, Citopatologia, Hemoterapia e Radiologia, compreendidas pelo Profaps. Dos 88 formandos, 22 eram do curso Técnico em Citopatologia, que teve início em dezembro de 2011, com o objetivo de formar profissionais de nível médio que atuem, especialmente, na prevenção do câncer de colo uterino, fortalecendo ações de prevenção deste tipo de câncer e melhorando a qualidade do diagnóstico laboratorial.

O curso, organizado em 1.800 horas de aulas teóricas e práticas — das quais 600 horas foram destinas ao estágio supervisionado —, representou para os profissionais do SUS do Ceará a oportunidade de adquirir novos conhecimentos e traçar novas metas. “Vivenciei experiências inéditas no laboratório da escola. Posso dizer que fui vitoriosa ao enfrentar um mundo novo que a Citopatologia me apresentou”, resume a aluna Maria de Fátima Ferreira, funcionária do Instituto de Prevenção do Câncer do estado.

De acordo com Morgana Barboza, coordenadora do curso na ESP-CE, entre 1998 e 2000, uma primeira edição dessa formação foi realizada no Instituto de Prevenção do Câncer do Ceará, com certificação pela escola. Na época, foram formados 28 profissionais. “Nosso papel é assegurar a qualificação desses profissionais, que são uma força auxiliar nas ciências médicas, de suma importância para o êxito dos programas de prevenção do câncer de colo uterino”, defende.

Na ESP-CE, a formação técnica está organizada em quatro módulos. O primeiro é o módulo contextual básico, comum a todos os cursos técnicos ofertados pela escola, que trata dos princípios do SUS, da legislação, da ética, da biossegurança, da gestão em saúde e da introdução à profissão técnica em citopatologia. Os outros três módulos são mais específicos, abordando temas como microbiologia, anatomia, histologia, patologia, biologia celular e molecular, além de tratar de questões fundamentais para a formação de um profissional alinhado com as necessidades do SUS.  “Nos estágios supervisionados, contamos com o apoio do Instituto de Prevenção do Câncer (IPC), da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE)”, revela Morgana. Segundo ela, a escola conta também com microscópios suficientes para iniciar uma nova turma. “Isso é uma grande vitória”, comemora, destacando que o maior desafio é, ainda, convencer os gestores de Saúde a liberar os trabalhadores para o curso.

Na Escola Técnica de Saúde de Brasília (Etesb), no Distrito Federal, há previsão de iniciar, ainda este ano, uma turma do curso Técnico em Citopatologia e uma qualificação técnica em Necrópsica. A proposta da formação técnica foi encaminhada ao Conselho Estadual de Educação para aprovação. Os dois cursos, que têm como objetivo geral preparar os profissionais inseridos nos serviços, serão destinados a profissionais da rede estadual de saúde, composta por nove hospitais públicos e outros conveniados. Segundo Ena Galvão, diretora da escola, a demanda foi feita pela própria secretaria de Saúde há anos. “Os profissionais que ingressam no sistema recebem um treinamento inicial e não há uma política de formação continuada nem uma proposta de formação por parte da Etesb até então. Estamos buscando resgatar essa lacuna”, reconhece.

Organizado em quatro módulos, a formação pretende abordar o processo de trabalho em serviços de laboratórios de citopatologia na rede de atenção ao SUS do DF, as políticas gerais do SUS e as específicas para a área, o perfil epidemiológico, as bases científicas e tecnológicas da citopatologia e as ações e os procedimentos intrínsecos aos exames no campo da citologia e às técnicas histológicas.

Experiência exitosa

No Rio de Janeiro, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) está com uma turma do mesmo curso em andamento, com 15 alunos, com previsão de formatura para março de 2015. Esse é o terceiro grupo de profissionais que a escola forma, em parceria com o Inca. Entre os objetivos do curso técnico em Citopatologia destaca-se a formação de profissionais com uma visão crítica e abrangente da Saúde Pública, das relações sociais do trabalho e da ciência e tecnologia em saúde, possibilitando a compreensão da complexidade da sua prática profissional e proporcionando aos alunos o domínio das bases conceituais científicas e tecnológicas que fundamentam os procedimentos realizados nos laboratórios de anatomia patológica e de citopatologia. “Outro objetivo é possibilitar a aquisição e o desenvolvimento de conhecimentos técnico-operacionais relacionados ao processo produtivo em saúde de uma forma ampla e das relações sociopolíticas que medeiam as relações saúde/doença e trabalho/educação”, revela o pesquisador da EPSJV e coordenador do curso, Leandro Medrado.

Ele lembra que a cooperação técnico-científica entre o Inca e a EPSJV teve como foco a transformação do curso de Qualificação de Nível Técnico em Citologia, realizado pelo Inca há anos, em um curso técnico de nível médio em Citopatologia. “A experiência e a visão de educação profissional em saúde que caracterizam a EPSJV propiciaram diversas reflexões acerca da qualificação e da formação profissional desses trabalhadores da saúde, favorecendo uma significativa reestruturação do curso de modo a buscar o enriquecimento de sua proposta formativa”, explica. O curso acontece no Inca, que também se responsabiliza pela infraestrutura de moradia e bolsas-auxílio dos alunos. A EPSJV, por sua vez, é responsável por parte dos docentes e pela orientação pedagógica para a resolução de várias situações, tais como os processos legais de registro do curso e certificação junto ao MEC.

Organizado em cinco módulos, essa formação preconiza que as disciplinas devem ser trabalhadas de forma integrada. Sua carga horária é de 1.920 horas, com duração de um ano, em médica, período em que são abordados os principais conceitos da área, possibilitando discussões sobre os temas da educação e trabalho em saúde, à luz de um olhar mais crítico sobre as relações sociais e políticas na sociedade, das bases técnicas referentes ao preparo das amostras para a realização das análises citomorfológicas, das práticas necessárias para a realização de exames citológicos de naturezas diversas, além da elaboração do laudo técnico que orientará o diagnóstico emitido pelo responsável técnico, aspecto principal da prática profissional.

No que tange à escolha dos profissionais que necessitam da formação técnica, Medrado ressalta que, nos últimos anos, trabalhou-se com processos seletivos realizados em parceria com as secretarias municipais de saúde. São as secretarias que realizam o primeiro contato com as regiões que têm maior carência da formação profissional e pré-selecionam os candidatos dentro das instituições de saúde públicas ou prestadoras de serviço para o SUS. “Desta forma os candidatos ao curso já saem de suas unidades de saúde com a anuência e declaração de interesse das chefias de retorno às regiões que carecem do profissional. Isso facilita bastante o processo de reinserção desses profissionais nos sistemas de saúde e permite que profissionais de regiões remotas e carentes da formação possam ter acesso a ela, retornando a essas regiões e promovendo a melhoria nos serviços prestados à população”, orienta.

Trajetória da área

A Citopatologia é uma técnica utilizada há mais de 50 anos, sendo empregada com sucesso na prevenção e no diagnóstico do câncer de colo de útero, assim como outras doenças não ginecológicas. A técnica foi introduzida na década de 1940 pelo médico grego George Papanicolaou (1883-1962) como uma ferramenta de detecção precoce do câncer de colo de útero, por meio da observação da morfologia das células pré-neoplásticas e malignas. Daí o nome dado ao exame considerado pelos médicos um método eficiente, rápido, de baixo custo, pois tem a habilidade de identificar lesões precursoras da doença, podendo resultar em significante decréscimo da mortalidade pelo câncer de colo de útero.

Para utilizar a técnica é preciso ter conhecimentos em áreas como patologia, imunologia, hematologia, fisiologia, bioquímica, biologia molecular, farmacologia, microbiologia. O procedimento laboratorial pode detectar alterações da morfologia celular para o diagnóstico (definitivo ou presuntivo) ou prevenção de doenças a partir do estudo ao microscópio de esfregaços celulares, líquidos corpóreos ou de amostras colhidas por escovados, raspados, imprints ou punções aspirativas. É um método rápido, de baixo custo operacional e, se realizado com técnicas adequadas e por profissional devidamente treinado, é de grande confiabilidade.

A citopatologia pode ser exercida por biomédicos, farmacêuticos-bioquímicos, cirurgiões dentistas e médicos com especialização comprovada em Citopatologia, Citologia Clínica ou Citologia Oncótica numa entidade reconhecida nacionalmente, podendo assumir responsabilidade pelos laboratórios, seus laudos e pareceres.

Letícia Katz lembra que a Citologia chega ao Brasil na década de 1940, trazida por ginecologistas. Em 1956, por iniciativa dos médicos Clarice do Amaral Ferreira, Nísio Marcondes e Antonio Vespasiano Ramos, que divulgaram a utilização do campo em todos os recantos do Brasil, fundou-se a Sociedade Brasileira de Citologia. Pioneira na América do Sul e uma das primeiras do mundo, a instituição é anterior à Academia Internacional de Citologia, à Sociedade Argentina de Citologia e à Sociedade Latino-Americana de Citologia. “A perspectiva é de que a Citopatologia continue a ser um método barato e eficiente na redução da mortalidade dos cânceres, especialmente do câncer de colo do útero”, observa.

Segundo a presidente da Sociedade Brasileira de Citologia, a Citopatologia Ginecológica no Brasil é, ainda, o método de rastreamento do câncer do colo do útero. “A área está passando por ajustes quanto à qualidade e isso é de fundamental importância”, conta. Ele resalta que esse ajuste de conduta diz respeito a todos os profissionais, incluindo os técnicos em Citopatologia. A relevância disso encontra justificativa nos números de casos da doença: de acordo com Inca, estima-se 15.590 novos casos de câncer de colo de útero em 2014 contra os 17.540 novos casos identificados em 2012. O instituto revela que esse é o terceiro tumor mais frequente na população feminina, atrás dos cânceres de mama e de colorretal, e a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil. O país avançou bastante na sua capacidade de realizar diagnóstico precoce comparada à década de 1990, quando 70% dos casos diagnosticados eram da doença invasiva. Atualmente, 44% dos casos são de lesão precursora do câncer, chamada in situ. Esse tipo de lesão é localizada. 

Avanços

Na década de 1990, foi desenvolvida e implantada uma nova metodologia para a realização da citopatologia do colo uterino: a citologia em meio líquido (LBC). Seu surgimento se deu devido ao empenho de viabilizar a leitura dos espécimes por computadores que exige o menor número possível de artefatos e sobreposições celulares. A LBC buscou atender às demandas de escrutínio computadorizado, bem como melhorar a sensibilidade diagnóstica da citologia. Isso só foi possível devido à maior facilidade na identificação das anormalidades pelo citopatologista, à apresentação em monocamada das células e a sua melhor preservação.

Outro aspecto importante é a possibilidade de realizar testes de biologia molecular para o DNA do HPV e outros micro-organismos, como a Chlamydia trachomatis e a Neisseria gonorrhoeae, no mesmo material encaminhado para o estudo citológico.

Segundo dados do material didático em Citopatologia do Ministério da Saúde, o procedimento da citologia em meio líquido consiste na suspensão e centrifugação de células provenientes do material colhido em líquido fixador, obtendo-se a seguir uma fina camada de células sobre a lâmina — daí o motivo pelo qual o método ser também conhecido como citologia de monocamada ou camada fina. A citologia de meio líquido é utilizada em vários países e está substituindo gradativamente a citologia convencional nos programas de controle do câncer de colo de útero, como acontece nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Novas tecnologias como a citologia em meio líquido aromatizada permitem, ainda, estabelecer padrões na coleta, no preparo e na coloração das amostras, o que garante a melhoria da qualidade dos testes, pois reduzem as variáveis do processo e da interferência humana.

Na citologia em meio líquido, a área de leitura é reduzida em até 81%, e como ocorre a eliminação dos interferentes que normalmente obscurecem a amostra, permite um ganho de cerca de 50% no tempo de leitura, chegando alguns autores a apontarem uma melhoria de 73% na produtividade do laboratório. Quando auxiliados por equipamentos que fazem o rastreamento por guia computadorizado, os técnicos em citopatologia passam a ter uma produtividade superior, podendo avaliar até 170 lâminas por dia de trabalho.

 

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O Papanicolaou é o teste utilizado para diagnóstico das lesões pré-cancerosas e neoplastias cervicais. Apesar da reconhecida efetividade do método, este ainda apresenta altas taxas de resultados falso-negativos. A grande oscilação nas taxas de sensibilidade, que podem variar de 2% a 90%, comprova a vulnerabilidade do procedimento, suscetível particularmente a falhas nas técnicas de coleta de amostras e preparação dos esfregaços, assim como também à subjetividade na interpretação dos achados citológicos. O grande desafio da Citologia de Papanicolaou é, portanto, a padronização dos processos. A dificuldade decorre da necessidade de intervenções manuais e do envolvimento de diversos profissionais nas várias etapas da metodologia convencional. Apesar do treinamento desses profissionais, eles são suscetíveis a inúmeras variáveis, além da rotatividade dos mesmos nos setores-chave do processo.

BOX LINK 2

O câncer do colo do útero, também chamado de cervical, é causado pela infecção persistente por alguns tipos (chamados oncogênicos) do Papilomavírus Humano (HPV). A infecção genital por este vírus é muito frequente e não causa doença na maioria das vezes. Entretanto, em alguns casos, podem ocorrer alterações celulares que poderão evoluir para o câncer. Essas alterações das células são descobertas facilmente no exame preventivo (conhecido como Papanicolaou) e são curáveis na quase totalidade dos casos.

 

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Comentários

Eu gostaria de saber como faço pra me inscrever e quando estará disponível o curso Técnico em Citopalogia?

Prezada Luciana,

Você entrou em contato com a Secretaria de Comunicação da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS), responsável pela divulgação das informações das escolas que integram a Rede. Atualmente, a RET-SUS é composta por 40 escolas técnicas, centros formadores de recursos humanos do SUS e escolas de Saúde Pública que existem em todos os estados do Brasil. Os cursos são oferecidos por cada uma delas, em suas regiões de abrangência. Cada uma oferece, ainda, cursos descentralizados em suas regiões de abragênia. Sugerimos entrar em contato diretamente com a escola da sua região para que possa saber sobre abertura de turma e outras informações relativas ao curso de seu interesse.

No site da Rede (www.retsus.fiocruz.br), clique no item ‘escolas’ do menu principal, localizado à esquerda da página inicial do site. Escolha a região do Brasil (Norte, Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste ou Sul) na qual a ETSUS que você procura se localiza, ou clique no item ‘todas’. Em seguida, você deve clicar no nome da ETSUS do seu interesse. Agradecemos seu contato.

Atenciosamente,
Secretaria de Comunicação da RET-SUS.

Atualmente sou estudante do curso de Citopatologia pelo Pronatec, na Faculdade Unime, em Lauro de Freitas. Gostaria de saber se o curso me oferece estágio curricular, uma vez que é oferecido pelo governo e outros estados têm na sua grade curricular.

Cristiane,

Os cursos técnicos ofertados pelas escolas da RET-SUS tem, em sua p´ratica, previsão de est[agio supervisionado. Sugerimos entrar em contato diretamente com a coordenação do seu curso, para que tenham informações sobre o assunto.

Atenciosamente,
Secretaria de Comunicação da RET-SUS
 

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