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08/06/2017 Versão para impressãoEnviar por email

Os novos desafios da Política de Redução de Danos

Países da América Latina, reunidos no Brasil, discutem os desafios da redução de danos e apresentam suas experiências de cuidado das pessoas em situação de rua e usuárias de drogas. 

Realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), no Rio de Janeiro, nos dias 29 e 30 de maio, o Seminário Internacional Cenários da Redução de Danos na América Latina destacou-se, também, pelo debate em torno dos desafios da redução de danos na América Latina. Especialista em drogodependência do Uruguai, Rosana Fernandés apresentou como algo novo e exitoso um lugar legitimado para os denominados consumos recreativos e não problemáticos. “Por serem recreativas, as experiências não estão isentas de problemas ou danos, mas nem tão pouco de benefícios. Podemos pensar no recreativo como forma de redução de riscos ou danos”, defendeu, sinalizando o desafio do Uruguai de admitir a possibilidade de consumos não problemáticos. “Uma das nossas formas de cuidado coletivo é a regulação”, acrescentou.

Para Antonio Tesolini, diretor do Programa Andrés Rosário da Argentina, a redução de danos é uma perspectiva política, técnica e clínica, que implica analisar a situação, o contexto e o momento histórico. O mesmo avaliou Ingrid Farias, diretora da Associação Brasileira de Redutoras e Redutores de Danos (Aborda). Ela lembrou que é importante rever a conjuntura política e como isso impacta as formas de se reduzir os danos. “As pessoas com as quais a gente se vincula todos os dias não são números. Elas são pessoas segundo as suas subjetividades, demandas e os seus saberes”, orientou, observando que a redução de danos trata-se de uma disputa política: “Vivemos tempos de ataques não só no Brasil, mas também na América Latina. A redução de danos dentro desse contexto de recuo dos direitos sociais não está isenta de sofrer ataque”, sublinhou.

O diretor da Associação da Costa Rica para o Estudo e Intervenção em Drogas (Aceid), Ernestro Cortés, também acredita que a redução de danos é uma questão política. Ele ressaltou a importância da criação de espaços de diálogo e encontros mais politizados, já que os países da América Latina têm muito em comum. “Temos as desigualdades sociais, as taxas mais altas de homicídios do mundo. Nossos países têm as 25 cidades mais violentas do mundo, com estados violentos e corruptos”, disse.

 

Na prática

Especialista em políticas sociais pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nacional de Assunção, no Paraguai, Raquel Samudio destacou a experiência do Enfoque Territorial, compondo a mesa de debate Novas práticas da Redução de Danos na América Latina. Trata-se, segundo ela, de uma organização formada por profissionais de diferentes disciplinas, que tem a intenção de colaborar com a transformação social em territórios com populações excluídas, promovendo os direitos humanos e a organização social. Ela contou que o programa oferece acompanhamento jurídico e ações que promovem a saúde, busca facilitar a criação cultural e artística e fomentar o trabalho digno.

A coordenadora do Núcleo de Práticas de Redução de Danos do Centro de Convivência É De Lei, sediado em São Paulo (SP), Mariana Takahashi, e Rafael Toruella, que atua junto a organizações de Redução de Danos em Porto Rico e Nova Iorque, apresentaram por sua vez experiências de seus respectivos países. Coube a Mariana falar sobre a ONG brasileira É de Lei, que se destaca como uma das únicas associações de redução de danos no Brasil, mantendo seu compromisso de contribuir para uma mudança de cultura no campo das drogas, visando à diminuição do estigma e do preconceito em relação ao usuário e, com isso, a diminuição dos agravos à saúde, da marginalização, da violência e da violação de direitos humanos. “A ONG surge em 1998, quando o índice de infecção por HIV/aids entre usuários de drogas injetáveis era bastante alto, em face do compartilhamento de agulhas e seringas. Diante deste cenário, a ONG iniciou as atividades de redução de danos, como a troca e distribuição de seringas na região central de São Paulo. Ao longo dos anos, o grupo foi adaptando as nossas práticas para cada momento da realidade em que a gente vivia”, iluminou.

De acordo com Mariana, o Núcleo de Práticas Redução de Danos do Centro, por sua vez, é responsável pela relação direta com as pessoas que fazem o uso de drogas. O núcleo conta com três frentes de trabalho — a cultura, o cuidado e a prevenção de danos não só com a saúde e a mobilização e a articulação políticas. “Organizamos o núcleo dessa forma para que as demandas das pessoas que estão em situação de rua e que fazem uso de drogas possam ser atendidas pelos serviços, para que a gente não reproduza mais estigmas dentro desses serviços e que os diferentes atores que compõem esse cenário possam trabalhar em conjunto”, concluiu.

Na mesma direção, Toruella falou sobre a experiência do programa Intercâmbios Porto Rico. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos, com base comunitária, que promove a integração social de grupos marginalizados, incluindo usuários de drogas, moradores de ruas e trabalhadores sexuais. “Trabalhamos sob a perspectiva científica de redução de danos, por meio de programas e atividades de serviços, educação e investigação. Visualizamos um Porto Rico, onde as populações marginalizadas tenham acesso a oportunidades de desenvolvimento individual e coletivo, que tenham uma vida digna”, explicou, revelando, ainda, o projeto Intercambios de Jeringuillas (Troca de Seringas), por meio do qual são previstos serviços de prevenção e aconselhamento de mais de mil participantes em 19 comunidades. “Trocamos mais de 200 mil seringas anualmente para reduzir o risco e o dano associado ao consumo de drogas por via infectada”, revelou.

Sobre o evento leia também “Fiocruz promove Seminário Internacional de Redução de Danos”.

Por Ana Paula Evangelista e Julia Neves, repórteres da Comunicação da RET-SUS

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