Defensor dos sistemas nacionais, Dermeval Saviani tratou dos desafios da implantação do Sistema Nacional de Educação no Brasil. O professor alerta para os riscos que envolvem a aprovação do Sistema, que, segundo o PNE, deve ser instituído até 2016.
No terceiro dia da 2ª Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada de 19 a 23 de novembro, em Brasília, sob o tema O Plano Nacional de Educação (PNE) na articulação do Sistema Nacional de Educação: participação popular, cooperação federativa e regime de colaboração, Dermeval Saviani, professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), falou sobre o papel da União na colaboração federativa para a organização e operação do Sistema Nacional de Educação (SNE). Saviani, que é considerado um dos maiores defensores da implantação do SNE no país, introduziu sua exposição resgatando a importância dos sistemas nacionais para a erradicação do analfabetismo e a superação das desigualdades regionais na qualidade da educação. Segundo ele, a organização desses sistemas ocorreu a partir da segunda metade do século 19 nos países centrais da Europa, como Alemanha, Inglaterra e França e, a partir do século 20, nos vizinhos Argentina, Chile e Uruguai. “Nós fomos adiando e já entramos no século 21 sem resolver esse problema”, disse.
De acordo com Saviani, o sistema nacional pode ser considerado o fiel da balança quando se analisa a disparidade atual entre Brasil e Itália que, no século 19, exibiam indicadores semelhantes. Isso porque o país europeu, que tinha metade de sua população analfabeta, conseguiu universalizar a escola elementar e erradicar o analfabetismo após a criação do sistema, em 1911.
O exemplo italiano serve, ainda, segundo sua avaliação, para rebater os argumentos que se apoiam na preservação das especificidades locais para emperrar a criação do SNE, já que os italianos não deixaram de falar os dialetos, sendo beneficiados pelo aprendizado de uma língua comum. Além disso, o professor acredita que a experiência ilustra a compatibilidade do sistema nacional com o regime federativo, ao contrário do tom do debate no Congresso Nacional, onde, segundo ele, o sistema sempre aparece como imposição do governo federal. “A federação é uma unidade conformada por estados que visam a assegurar interesses comuns. Essa forma de organização postula a articulação nacional que, no campo da educação, representa a união intencional dos vários serviços educacionais que se desenvolvem no âmbito dos diversos entes que compõe o Estado”, explicou.
Para Saviani, a luta deve ser pela construção de um “verdadeiro” SNE. Para isso, a adesão de estados, municípios e Distrito Federal não pode acontecer depois dele instituído, mas no processo de construção do sistema. Outro ponto de partida é o entendimento de que, mesmo tendo atribuições diferentes, todos os entes devem participar da administração do SNE, que precisa, obrigatoriamente, ser público. “As instituições privadas integrarão o sistema como particulares e, nesta condição, darão sua contribuição específica. Não cabe travesti-las de públicas, seja pela transferência de recursos, na forma de subsídios e isenções, seja pela transferência de poder, admitindo-as na gestão e operação”, orientou.
Críticas à abordagem
Saviani fez algumas críticas ao modo como o SNE foi abordado na 2a Conae, pois os sete eixos norteadores da conferência não teriam contribuído para o aprofundamento do assunto. “Sobre o SNE paira um desconhecimento mais ou menos generalizado. O que deveria nortear o debate da Conae é a busca de maior clareza sobre o significado daquilo que queremos, buscando avançar na compreensão da base de sua sustentação, organização e conteúdo”, destacou. A confusão, segundo o professor, começa no tema da conferência, que dá a entender que é o plano que sustenta o sistema, e não o contrário.
O pesquisador alertou para os riscos que envolvem a aprovação do SNE, que, segundo o PNE, deve ser instituído até 2016. Se, por um lado, o prazo pode ser ultrapassado, a exemplo do que aconteceu com o Plano Nacional, aprovado com dois anos de atraso, por outro, uma aprovação rápida, sem a devida discussão, mudaria pouco o quadro brasileiro. “Não cabe compreender o SNE como um guarda-chuva com a mera função de abrigar o sistema federal, os 26 sistemas estaduais, o Distrito Federal e, no limite, os 5,7 mil sistemas municipais de ensino. Se for aprovada uma proposta nesses termos, o SNE se reduzirá a uma mera formalidade”, frisou.
Nesse sentido, Saviani declarou que esperava da plenária da 2ª Conae um posicionamento contundente contra o sistema guarda-chuva: “Esperamos que a plenária aprove de forma insofismável a implantação de um verdadeiro Sistema Nacional de Educação. Isto é, um sistema unificado, organizado e gerido em colaboração pelos entes federativos, convertendo os atuais sistemas municipais e estaduais em redes públicas integrantes. Verdadeiramente público, livre das pressões de mercado e da promiscuidade com as organizações privadas no qual a rede particular seja integrada pela sua adequação às normas estabelecidas no interesse maior da educação de toda a população brasileira”.
Saiba mais sobre a Conae 2014, aqui, no site da RET-SUS, em notícias:
Os rumos da educação à luz da mobilização social
A prioridade é regulamentar o sistema em regime de colaboração
A educação é ponto focal do governo, diz presidenta
Por Maíra Mathias, repórter da Secretaria de Comunicação da RET-SUS
Comentar